Marcelo Crispim

terça-feira, janeiro 08, 2008

Missões e João Calvino

1 – MISSÕES EM JOÃO CALVINO[1]

Um tema bastante interessante é o de missões em João Calvino, será que o reformado tem uma visão missionária? Ele sempre está ligado à doutrina da predestinação, a soberania de Deus e outras atividades controvertidas em Genebra. Para uma analise da sua visão missiológica é necessário situar seu tempo, pois de fato, missões como é entendida nos dias de hoje por algumas classes da cristandade, seria fácil concluir que o reformador de Genebra não possuía nenhuma cosmovisão de expansão do reino através da missão da igreja, mas pode-se “encontrar em Calvino elementos missiológicos reveladores de que ele possuía consciência de que o evangelho deveria ser anunciado em outros lugares e para outros povos”[2].
Todavia, para muitos historiadores Calvino e os outros reformadores não possuíam uma mentalidade de missões, como pode fica explicito nesta citação de Nichols ao falar da época da Reforma:
“Somente a Igreja Romana, nesse período, cuidou do trabalho missionário. As igrejas protestantes nada fizeram, que seja digno de referência especial, para levar o Evangelho aos povos pagãos. Uma das razões dessa atitude foi que o protestantismo teve de lutar muito para sobreviver. Mas também deve-se reconhecer que as Igrejas protestantes ainda não tinham reconhecido como seu privilégio e seu dever o trabalho missionário, como fez depois. Os grandes líderes da reforma não deram sinal de realizar aquilo que é um dever de cada cristão: evangelizar os demais povos; e naturalmente, os que continuaram o trabalho deles caíram na mesma falta. O protestantismo só alcançou a sua grande visão missionária no século 18”[3].

Bosch diz que “asseverar que os reformadores não possuíam uma visão missionária é interpretar equivocadamente o impulso básico de sua teologia e ministério”[4]. Embora, Calvino não tenha escrito nada especifico sobre missões afirmar que não possuía uma dimensão missionária da igreja é muito preconceituoso[5]. Para Bosch, a teologia missionária de Calvino é mais explicita que a dos outros reformadores, pois, levou muito a sério a responsabilidade do crente no mundo[6]. Sua concepção teológica do reinado de Cristo transformando a vida espiritual do indivíduo e do meio onde ele vive causou uma profunda influência sobre a teoria e prática missiológica dos calvinistas posteriores[7].

1.1 – A Academia em Genebra como celeiro missionário.

No dia 05 de Junho de 1559 foi fundada a Academia de Genebra e um dos objetivos era treinar pessoas para a obra missionária, como foi observada por Reid: “devidamente treinados, os estudantes retornariam a seus países de origem e divulgariam o evangelho como missionários. Nesse sentido, procurou fazer de Genebra um centro missionário para divulgar a Reforma e seus ensinos por toda a Europa e outros países do mundo”[8]. Mackinnor também constatou o mesmo fato escrevendo da seguinte forma: “o estabelecimento da Academia foi em parte realizada por causa do desejo de suprir e treinar missionários evangélicos”[9]. Nichols diz que “muitíssimos estrangeiros iam à Academia para estudar Teologia e voltavam como ministros protestantes”[10].

1.2 – O conteúdo missionário nas cartas.

Nas cartas de Calvino também se encontram as preocupações missionárias do Refomador, pois ele supria as necessidades de diversos lugares clamando por auxilio pastoral como relatado na Carta 2613 de Richer e Chartier a Calvino por ocasião da viagem até a “França Antártica” em 1555 “...temos a certeza de que não te esqueces de nós. Os teus irmãos que enviaste como ministros do Evangelho G. Chartério, teu em Cristo. Richério, teu em Cristo”[11]. Sulcer diz que “em toda as partes da França, os irmãos estão implorando a nossa assistência”[12]. Barro diz que Calvino sempre procurava um modo para atender as cartas que de todas as partes surgiam pedindo pastores[13].
Calvino mantinha uma lista de correspondência muito vasta, o que o possibilitou influenciar diversas pessoas nos mais variados lugares. “Ele escreveu cartas de encorajamento aos líderes cristãos quanto ao trabalho de expansão do evangelho”[14] na Inglaterra, influenciou significativamente na Holanda, França e Hungria. Um testemunho de Kalman D. Toth sobre a reforma na Hungria é muito revelador sobre o impacto do Reformador:
“nos idos de 1550, quando a Reforma Helvética fez a sua primeira conquista (1551-52) e se estabeleceu por volta de 1556, havia sinais de crescimento da autoridade e reputação de Calvino. Ambrósio Moibanus, um reformador em Breslau, em suas cartas datadas de 1º de setembro de 1550 e de 24 de março de 1552, assegurava a Calvino que o seu trabalho tinha sido recebido com muito entusiasmo na Polônia e na Hungria. Em 26 de outubro de 1557, Gal Huszar, um reformador húngaro, relatou a Heinrich Bullinger sobre a grande popularidade do trabalho de Calvino na Hungria”[15].

Calvino e a Igreja de Genebra também tentaram expandir o reino de Cristo quando foi solicitado pelo vice-almirante Nicolas Durand Villegaignon o envio de pastores à Baia de Guanabara. Jean de Léry ao falar sobre o episódio narra do seguinte modo: “A Igreja de Genebra agradeceu imediatamente a Deus pela extensão do reino de Jesus Cristo a um país tão distante, tão diferente, e entre uma nação inteira sem conhecimento do Deus Verdadeiro”[16]. Outro relato sobre a obra missionária no Brasil é o de Amy Gordon:
“Se a missão ao Brasil não obteve sucesso, pelo menos levantou sérios questionamentos para os calvinistas, e mesmo para Calvino, sobre assuntos que necessitavam ser tratados antes que as igrejas protestantes se envolvessem em missões e desenvolvessem sua vocação missionária. O episódio do Brasil, visto dessa perspectiva, tem uma importância na história missionária protestante que vai além da curta história da colônia em si”[17].

1.3 – O conteúdo missionário nos seus escritos.

Como já foi dito anteriormente Calvino não escreveu nenhum tratado sobre missões, mas, pode-se encontrar sobre o assunto, tanto nas suas cartas quanto nos seus comentários. Todavia, é necessário ter em mente que para Calvino o conceito de missões é proclamar o evangelho e convocar as outras nações para obediência da fé, por intermédio da palavra ministrada, ou seja, as Escrituras.
Calvino ao falar da grande comissão em Mt. 28:19 diz que o “significado da missão dada aos discípulos era a de proclamar o evangelho em toda parte e deveriam trazer todas as nações a obediência da fé, depois, selariam e ratificariam neles a doutrina pela proclamação do evangelho”[18]. A ordem do Senhor para os ministros do Evangelho é ir a toda parte do mundo e proclamar a doutrina da Salvação[19]. Deus na sua providência preserva o mundo e seu desejo é ser adorado por todos os homens, sem exceção[20]. Ao comentar o Salmo 100 prossegue dizendo que o salmista refere ao serviço de agradecimento ao Senhor por seus benefícios, por isso, ele convida a todos os habitantes da terra, sem discriminação, para adorá-lo[21].
No comentário das pastorais na I carta a Timóteo ao falar sobre a intenção do apóstolo Paulo em dizer que Deus quer que todas as pessoas sejam salvas, ele diz: “a intenção do apóstolo, aqui, é simplesmente dizer que nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídas da salvação, (...) sua única preocupação é incluir em seu número príncipes e nações estrangeiros”[22]. Na carta aos Romanos ele diz que a proclamação do evangelho é para que “Deus guiasse todas as nações à obediência da fé”[23].

______________________
[1] A estrutura desta parte do trabalho, onde envolve o pensamento de Calvino sobre missões, segue o escopo adotado por Antonio de Carlos Barro. A abordagem referia se encontra no artigo publicado pela revista Fides Reformata, v. III, n. 1, p. 38-49, 1998.
[2] BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 38, 1998.
[3] NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 11ª ed, 2000, p. 202.
[4] BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2002, p. 299.
[5] BARRO, C. op cit. 1998, p. 40.
[6] BOSCH, D. op cit. 2002, p. 300.
[7] Ibid, p. 312-318.
[8] REID, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 44-45, 1998.
[9] MACKINNON, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 44, 1998.
[10] NICHOLS, R. op cit. p. 176.
[11] SCHALKWIJK, Frans Leonard. O Brasil na Correspondência de Calvino. Fides Reformata. São Paulo. v. IX, n. 1, p. 114-115, 2004.
[12] SULCER, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 43, 1998.
[13] BARRO, C. op cit. p. 43.
[14] BARRP. C. op cit. p. 46.
[15] TOTH, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 46, 1998.
[16] LÉRY, J. Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 47, 1998.
[17] GORDON, A. Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 48, 1998.
[18] CALVINO, J. Commentary on the Mathew, Mark, luke – v.3 http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom33.ii.li.html Acesso: 23/03/2007. Minha tradução.
[19] Ibid. Acesso: 23/03/2007. Minha tradução.
[20] CALVINO, J. op cit. 1999. p. 523.
[21] CALVINO, J. Commentary on Psalms – v.4 http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom11.ix.i.html Acesso: 25/03/2007. Minha tradução.
[22] CALVINO, J. op cit. 1998, p. 60.
[23] CALVINO, J. op cit. 1997, p. 524.

1 Comentários:

Às 12:12 PM , Blogger Unknown disse...

Bênção Pura!!!!!!

 

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