Marcelo Crispim

terça-feira, outubro 13, 2009

LIDÓRIO, Ronaldo. Antropologia Missionária. Instituto Antropos, São Paulo, 2008, 288 p.


Ronaldo Lidório é pastor presbiteriano e missionário ligado à Missão AMEM e APMT. Atuou durante 9 anos entre os Konkombas de Gana no plantio de igrejas e tradução do NT. Atualmente lidera uma equipe missionária na Amazônia indígena. É teólogo e doutor em Antropologia. Autor de vários livros, dentre eles Antropologia Missionária; Plantando Igrejas; Liderança e Igrejas; Com a Mão no Arado. Casado com Rossana e pai de dois filhos .
Ronaldo Lidório dá o foco do seu trabalho neste livro da seguinte forma: “Meu objetivo neste livro é abordar a antropologia como aliada no desenvolvimento de idéias, fomentação de estudo e conhecimento humano e, sobretudo, como uma ferramenta prática no processo de adaptação pessoal, desenvolvimento de projetos e exposição do evangelho no campo missionário. Minha intenção foi preparar uma metodologia viável e compreensível tanto para acadêmicos e práticos, enquanto na incumbência de abordar um novo grupo étnico ou segmento social (p. 11)”.
A fim de alcançar este objetivo ele usa a abordagem chamada de método Antropos, que “é construído sobre três amplas abordagens. Para a primeira emprestamos o nome do método, Antropos, e trata do estudo etnográfico do grupo alvo. A segunda abordagem chama-se Pneumatos e abrangerá a pesquisa fenomenológica. Por fim a abordagem Angelos irá propor a utilização de suas conclusões para projetos de comunicação e evangelização (p. 12)”. Sua concepção é que o “método Antropos, de certa forma, está centrado em uma base teórica de busca dos códigos receptores para o manuseio da mensagem a ser transmitida, vestindo-a de tal forma que chegue bem ao que a recebe, mantendo seu conteúdo, mas, decoficando-a na fonte (p. 14)”.
Alguns alvos gerais são traçados pele autor: “fazer uma ponte entre a antropologia e a missiologia e gerar conclusões e instrumentos que ajudem a aplicar o conhecimento da antropologia na facilitação da comunicação do Evangelho (p. 17)”. Todavia alguns alvos específicos também são pontuados: “1) Expor a Antropologia e sua relevância no contexto missionário. 2) Interligar o estudo etnográfico, etnológico e fenomenológico como mecanismos de mapeamentos étnicos. 3) Desenvolver um 'roteiro cultural' que facilite a geração de estratégias evangelizadoras e promova cuidados no trato cultural. 4) Capacitar pessoas chaves para reproduzirem o conteúdo aqui proposto em suas áreas de atuação como agências e campos missionários, seminários e cursos preparatórios, preparo de equipes de campo ou grupos de pesquisa (p.17). Sua abordagem da obra será “mais etnológica categorizante (p. 18), todavia, fará uso dos métodos descritivo e cognitivo (p.19).
Lidório divide seu livro em 10 capítulos, sendo que, no primeiro, trata da questão dos pressupostos teológicos que nortearam seus estudos antropológicos. Como a obra é de cunho missionário, ressalta os perigos fundamentais no tratamento da contextualização da mensagem, como o impositivo, o pragmático e o sociológico, pois o evangelho é dirigido ao homem todo e não podemos dicotomizarmos a mensagem (p. 21-23).
No capítulo 2, o autor passa a conceituar a antropologia, a cultura e o homem. Analisando historicamente a formação do conceito antropológico desenvolve sua idéia a partir do evolucionismo unilinear, o relativismo cultural ou particularismo histórico, o funcionalismo estrutural, o neo-evolucionismo até a antropologia hermenêutica ou interpretativa (p. 25-29). Assim, antropologia fica definida como “o resultado da aglutinação histórica de impressões, fatos e idéias sobre a identidade do homem disperso em seus diferentes ajuntamentos sociais (p. 30)”. O conceito de cultura é definido como “os sistemas mais ou menos integrados de idéias, sentimentos, valores e seus padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz (p. 34)”.
Lidório conceituando o homem diz um aspecto relevante entre a análise que a sociologia, filosofia, psicologia e teologia fazem: “A sociologia não vê o homem sozinho como homem, por definir este como um ser estritamente social. A psicologia vê o homem como um ser autoconsciente enquanto a filosofia o define como um ser moral e racional como defendia Hegel. Para a teologia, o fato de ser espiritual o distingue de toda a criação (p.34)”. Seguindo Geertz o homem é conceituado da seguinte forma: “o ser em cultura, que se definem a partir da sua história, suas idéias e envolvimento social (p.36)”. Assim ele prossegue dizendo “em sua consciência, em sua moralidade e racionalidade, assim como em sua espiritualidade o homem pode aventurar-se num caminhar construtivo em sua própria essência humana através de sua vocação cultural (p.36)”.
No capítulo 3, a orientação de aquisição lingüística e padrões de abordagem cultural é o assunto estudado. Nisto ele diz: “Nesta nossa orientação básica enfatizarem os elementos que julgo essenciais para o estudo e aprendizado de uma língua. São eles: 1) Coleta e organização; 2) Estudo e análise; 3) Prática e convívio; 4) O informante e a preparação das sessões; 5) O estudo individual” (p. 38). A seguir o autor propõe um estudo etnológico partindo dos padrões éticos – observarem a partir dos meus próprios valores, êmico – observar a partir dos valores do outro e êmico-teológico – observar a cultura a partir dos valores bíblicos (p. 52). Este último pressuposto leva em consideração o pensamento protestante reformado, que crê que há uma verdade universal, dogmática, aplicável a todos os povos em todas as culturas. O padrão êmico-teológico, portanto, “é uma proposta que visa primeiramente analisarmos os fatos sociais por lentes êmicas, compreendo seu valor para o povo que os experimenta, e após termos feito esta caminhada, expormos a estes o evangelho de forma viva e aplicável, compreensível em seu próprio universo (p.57)”. Assim, “observamos um fato social ou relato de acordo com aquele que o experimenta, e aplicamos a verdade do evangelho a fim de que este, sendo supracultural e universal, possa responder às perguntas do seu coração, em sua cultura, como o faz conosco (p. 58)”.
No capítulo 4 é descrito a respeito das metodologias antropológicas para o estudo cultural onde os métodos: histórico, comparativo, observação participativa, adaptativo, idealista e simbólicos são analisados, mas todavia, rejeitados pelo autor que proporá a abordagem Antropos, Pneumatos e Angelos (p. 59 – 63).
A abordagem Antropos é o assunto do capítulo 5. Este método se fundamenta sobre três tipos de abordagens: Antropos – possui um foco mais etnográfico, Pneumatos – seu foco é fenomenológico e Angelos – com um foco mais missiológico (p. 65).
Dentro da abordagem Antropos a cultura será compreendida etnográfica e etnologicamente a partir das seguintes dimensões de análise: histórica, ética, étnica e fenomenológica (p. 65). Na dimensão histórica o homem é visto sobre duas bases: historicidade cultural – Persona Alfa e Origem universal – Ponto Alfa. Um fator é importante estar sempre na mente do pesquisador, pois o “Ponto Alfa e Persona Alfa em certo grupo, estes não são necessariamente os elementos a serem utilizados para comunicarmos a criação e o Criador (p. 71)”. A dimensão Ética se divide em Culturalidade – heranças de agrupamento, relacionamento e religiosidade; e Reguladores sociais – leis, normas, hábitos, costumes e tradições (p. 73 – 90). A dimensão étnica parte de um pressuposto comparativo e se categoriza em progressista ou tradicional, existencialista ou histórica, teófana ou naturalista (p. 90 -98). E por fim, a dimensão fenomenológica. Parte-se do pressuposto que é preciso interpretar os elementos que fazem parte do sagrado, por meio de crenças, mitos e ritos (p. 99).
No capítulo 6 Lidório faz uma introdução à abordagem Pneumatos. A Fenomenologia Religiosa com aplicação missionária é a sistemática categorização dos elementos do além em certa cultura, sociedade ou segmentação humana, objetivando a coleta de informação necessária para a comunicação de uma mensagem de forma compreensiva, relevante e transformadora (p. 112).
No capítulo 7 a abordagem Pneumatos é categorizada a partir de quatro padrões: Analítico, axiomático, correlativo e explicativo. “A abordagem tem como objetivo analisar os fenômenos religiosos e fatos sociais de maneira mais próxima e específica (115)”. Para o autor estes pontos são relevantes, pois, “tendo em mente tais padrões iremos propor algumas áreas que julgo essenciais para a análise cultural e compreensão do grupo. São elas: os atos da vida, os atos da providência, atos de adoração e reverência, categorização de funções humanas, categorização de seres invisíveis, a magia, os mitos e os ritos (p. 118)”.
O capítulo 8 é uma abordagem preparatória para o método Angelos. Devemos observar a cosmovisão do grupo alvo em relação ao sagrado e profano, tabus e assuntos pertinentes (p. 163). Assim ele constrói seu pensamento dizendo que “O conceito do sagrado é complexo e deve ser observado como elemento primordial da religiosidade (p. 163)”. Em toda análise cultural a oposição entre puro e impuro é fundamental ao estudo e compreensão da estrutura social e pensamento humano (p. 164). É necessário, portanto, entender o mundo invisível do grupo estudado, sua maneira de ver e interpretar a vida e o universo, e também de absorver um valor comunicado, por isso, a mensagem do evangelho não é uma proposta importada para a cultura alvo nem mesmo um diálogo aberto onde valores bíblicos são negociados. É, portanto, uma resposta, supra cultural, mas culturalmente aplicável, de Deus para homens de todas as culturas em todas as gerações, respondendo as questões pessoais e culturais em uma sociedade (p. 171 – 177).
O capítulo 9 é a última parte do método Angelos. Nesta parte, ele refere “à aplicabilidade do método trabalhando com as conclusões simples, as conclusões complexas, as conclusões aplicadas bem como com a elaboração de teologias bíblicas (p. 179)”. Uma importantíssima observação é escrita pelo autor: “Qualquer método antropológico que defende apenas um caminho e abordagem para uma comunicação viável e inteligível deve ser questionado. O mesmo se aplica ao presente método que expomos (p. 184)”.
O último capítulo desta obra - 10, Lidório, trabalha a conversão em uma perspectiva cultural. Então diz: “A conversão é um fenômeno que pode ocorrer fora de qualquer padrão cultural como bem sabemos. Por outro lado é muito comum observar que tal processo de conversão normalmente se dá dentro do padrão cultural de transformação (p. 213)”. Partindo da análise de uma cultura tradicional o padrão de conversão segue os seguintes caminhos: observação, assimilação, experimentação e conversão.
A obra de Ronaldo Lidório é um magnífico trabalho de antropologia missionária. O autor uniu teologia reformada e ardor prático, fruto de sua experiência no campo missionário. Foi extremamente acadêmico, mas sem perder a praticidade e vivacidade. Obra importantíssima para o preparo do missionário, pastor, e por que não toda igreja. Qualquer pessoa que tiver acesso a este material sairá profundamente enriquecido. Todavia, o aspecto negativo da obra impressa se encontra na ausência das notas bibliográficas no decorrer do livro, o que já foi resolvido na edição disponível on-line, mas a erudição do autor é notória, e isto não tira o brilho da obra tornando-a necessária para a obra missionária.

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