Marcelo Crispim

segunda-feira, março 25, 2019


Estamos em guerra!

"(...) não enviamos meninos pequenos para guerra." Tony Reinke, LIT, 2019.

Você que leu LIT, de Tony Reinke, sabe que desloco sua afirmação do campo da guerra literária para outro campo de batalha. Talvez, mais cruel e mortal. Uma coisa é certa: em ambas não podemos baixar a guarda. Todavia, sua afirmação me faz pensar. Lhe convido a iniciar uma breve reflexão comigo.
Nós, pais, temos com todo empenho buscado "o melhor" para nossos filhos. Temos investido horas em trabalho duro, a fim de prepararmos crianças para um mundo hostil. Assim, nos afadigamos em buscar, e oferece-los, o que há de melhor.
Melhor escola, melhor curso preparatório, melhor universidade, melhor emprego, melhor futuro e melhor vida. Mas, essa sequência, nem sempre é concluída com sucesso por nossos filhos. O que tem acontecido pelo caminho? Porque temos perdido tantos meninos com tanto investimento e com tantas possibilidades de sucesso?
Temos esquecido que estamos em guerra! Uma batalha, sem dó nem piedade, por parte do inimigo. Esquecido que este confronto mortal será vivido por nossos filhos. Quando eles menos perceberem já estarão face-a-face com o inimigo e serão presas facilmente abatidas. Uma coisa é certa, eles já estão na guerra! Mas, um dia, eles descerão para ao campo de batalha e serão os responsáveis por defender a própria vida e a vida de outros. O que você tem feito pelo seu menor aprendiz? Seu sucessor.
Entre tiros e granadas na trincheira estamos com a responsabilidade de prepararmos um novo soldado para assumir o bastão da fé e compor o grande exercito de guerreiros. Alguns de tão novos, nem sequer percebem quantos amigos e irmãos são mortos pelo caminho, quão sangrenta é essa guerra. Mas, nós pais, que vivemos essa luta não podemos descansar na triste ilusão da terceirização espiritual de nossos filhos. Precisamos orar com eles, cultuar com eles, explicar a razão da esperança que há em nós. Para quando chegar a hora eles saberem guerrear. Não nos enganemos! Todas as vezes que deixamos de instruir positivamente, ensinamos negativamente a serem péssimos guerreiros. Não há neutralidade. Nossos filhos estão em guerra, mas ainda vivem sob nossas tendas, onde estão sendo lapidados para um dia descerem ao campo. Espero que façamos um bom trabalho. E quando o dia chegar, enviemos verdadeiros homens para o exercito na batalha.

quinta-feira, novembro 12, 2015

Análise de João 6.43-47

Introdução
            Neste trabalho olharemos para o capítulo 6 de João e analisaremos os versos 43-47.
            Reconstruiremos o cenário cultural da época para assim melhor entendermos a passagem dentro do seu locus temporal histórico e cultural. Buscaremos definir como os ouvintes receberam a mensagem, e o que a gerou naquele contexto.
            Olharemos para o texto e reconstruiremos o fluxo da argumentação. Veremos como João dispos o material bíblico e observaremos a relevância dos mesmos na intenção do autor em gerar fé no coração dos seus ouvintes.
            Ao analisarmos no grego o texto da perícope faremos comparações com as versões disponíveis e de facíl acesso. Mostraremos as diferenças entre elas nas palavras-chave e justificaremos a opção que adotamos neste trabalho.
            Por fim, comentaremos a passagem naquilo que dentro da nossa ótica são os aspectos mais importantes. Dentro desta análise extrairemos a teologia do texto e a mensagem para todas as épocas. Compreenderemos então que João registrou esta passagem com o propósto de deixar claro para seus ouvintes que a salvação é somente por meio de Cristo com base na escolha soberana de Deus.
 
Estudo Contextual

Contexto Histórico da Passagem

            Exitem várias propostas quanto ao contexto do quarto evangelho[1], pois, seu conteúdo está relacionado a diversos movimentos religiosos do contexto da igreja primitiva[2]. A cultura helênica era tipicamente entendida como uma combinação de quatro influências básicas: Filo, os escritos herméticos, Gnosticismo e Mandeísmo[3].
            A fim de avaliar a posição histórico-religiosa do livro é necessário perceber que João lutou contra a concepção do mito gnóstico-geral do redentor e teve seu Evangelho formado neste ambiente de gnose judaico-sincretista[4]. Entretanto, é preciso fazer uma ressalva na busca de paralelos em fontes históricas anteriores, pois, é um anacronismo procurar luz nos escritos dos mandeanos, por exemplo, a fim de esclarecer o pano de fundo do quarto Evangelho. Todavia, conforme diz Höster há uma relação bem definida com o judaísmo da época, em especial com o judaísmo da palestina, embora, não seja possível com todas as lacunas preenchidas comprovar esta influência[5].
            Esta influência do judaísmo se faz perceptível no contexto desta passagem de João 6.43-47, onde no verso 31 seu auditório reporta ao evento histórico do maná no deserto, onde “nossos antepassados comeram”[6]. Quanto a esta influência Champlim diz que dificilmente existe um capítulo neste Evangelho em que não possa encontrar uma referência direta ou indireta ao Antigo Testamento[7]. Se referindo ao verso 35 o Dr. Carson diz que “o pano de fundo do Antigo Testamento para o paralelismo desse versículo pode encontrar-se em Isaías[8] 55.1 (com respeito à salvação escatológica trazida pela palavra de Deus) e em Provérbios[9] 8.5 (com respeito à sabedoria)”; e ainda acrescenta: “Alguns consideram todo este capítulo [João 6] como uma exegese judaíco-cristã do Salmo 78.24”[10].
            O capítulo 6 tem um vasto ensinamento sobre Cristo como o pão da vida. Este ensino se deu por volta do tempo da páscoa, cerca de um ano antes da crucificação. As palavras que Cristo pronunciou em Cafarnaum foram ditas a pessoas que haviam o acompanhado durante anos[11]. Seguindo esta vertente o Comentário Bíblico de Broadman diz aqueles homens não procuravam a Cristo porque viam o sentido dos sinais e seu significado verdadeiro, mas porque tiveram a fome saciada um dia antes e agora voltavam novamente, pois, estavam famintos[12].
              Inserindo uma perspectiva social-econômica para este discurso em Cafarnaum Champlim diz que os agricultores galileus trabalhavam arduamente e recebiam o mínimo necessário para se manterem. Em contraste, Jesus era plenamente capaz de satisfazer amplamente a alma autorgando-lhes vida eterna. As necessidades físicas básicas do corpo os projetavam na busca de satisfação da alma, o pão espiritual[13]. Hendriksen diz que o povo queria um tipo de Messias com poder para satisfazer suas necessidades físicas, quando viram em Jesus esta possibilidade o seguiram a fim de torná-lo rei, mas ao terem suas expectativas frustradas, pois o héroi era um Messias espiritual vindo salvar o povo da culpa, corrupção e miséria do pecado, então o abandonaram e não mais o seguia[14]. Daí então o discurso de Jesus em ser o pão da vida que desceu do Céu. Todo este bloco tem seu esboço estruturado sob o seguinte tema “Jesus o pão da vida”[15].

Contexto Literário da Passagem         


Contexto próximo


O contexto próximo é o capítulo 6. Nele João começa dizendo que Jesus parte para a outra margem do mar da Galileia. O autor pressupõe que as pessoas estão familiarizadas com o conteúdo do Grande Ministério Galileu, e assim traça um paralelo entre os capítulos 5 e 6, onde no primeiro ele mostra a rejeição de Jesus na Judeia e no segundo sua rejeição na Galileia. Esta dupla rejeição é importante para a compreensão dos capítulos seguintes segundo Hendrikesen[16].
Jesus está no ápice de sua popularidade[17], a multidão o segue, ele se retira com os discípulos e então é inserido um evento histórico, contextualizando o fato e preparando as cenas seguintes: “Estava próxima à festa judaica da Páscoa”. Darby diz que este discurso de Cristo teve por ocasião a páscoa, pois, esta figura o que o Senhor devia cumprir pela sua morte[18].
Logo em seguida o texto vai mostrar Jesus realizando o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. Após este evento é possível perceber o anseio da população em torná-lo rei, mesmo que se necessário fosse usar a força para isto. Na declaração do povo temos outro marcador histórico-social-teológico importante: “certamente este é o profeta que devia vir ao mundo” (v. 14). O profeta neste texto nos remete a esperança do Messias de acordo com a promessa de Deus, isto é, a partir daquele lugar, Galileia, usando a força estabeleceriam o reino teocrático enquanto marchavam para Jerusalém onde seria a sede[19]. 
No verso 17 o cenário caminha para Cafarnaum. Outro milagre é realizado – Jesus misteriosamente aparece no meio do mar e acalma a tempestade, e a multidão no dia seguinte quando percebem sua ausência o segue até Cafarnaum. Jesus logo após atravessar o mar em direção a Cafarnaum Jo 6.16-22[20] estava na sinagoga conforme relatado em Jo 6.59[21]. Se referindo ao contexto desta passagem Bruce diz que nesta ocasião, quando o texto fala dos judeus no verso 41 “deve ser a congregação da sinagoga de Cafarnaum, ou os seus líderes”[22].
Em Cafarnaum Cristo lhes indaga a respeito da verdadeira razão de buscá-lo. Agora não mais a comida que perece, mas aquela que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do Homem dará. Se referindo ao verso 27 Hendriksen vai dizer que mais uma vez João introduz outro belo mashal[23]. A resposta de Jesus levanta outras questões sobre sua autoridade, messianidade e divindade. Os judeus mais uma vez lhe pede sinais a fim de crerem nele.
O paralelo entre Cristo e Moisés é traçado. Quem tem mais autoridade? Cristo? Moisés? Cristo resolve o problema gerando inquietação nos corações quando responde: o maná é perecível, eu o pão vivo saciarei a fome para todo sempre; e quem crê em mim, os seus ouvintes ainda não o fizeram, tem a vida eterna, e agora o motivo da inquietação dos judeus, eu o ressuscitarei no último dia. Os judeus tinham a expectativa da ressurreição dos mortos na vinda do Messias[24], daí então a indignação em Cristo ser o pão que desceu do céu, o Messias, haja visto que conheciam seus pais, sua família, sendo perceptível no verso que antecede a perícope em análise: “este não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos? Como pode dizer: ‘desci do céu’?”(v.42).

Contexto Remoto


         A partir do capítulo 2, a narrativa de João começa a mostrar os sinais milagrosos de Jesus, que tem o propósito de comprovar a divindade de Jesus e levar os leitores à fé no Cristo que não é só carne (homem), mas também Deus. Deste ponto até o fim do Evangelho, João registra milagres operados por Jesus e seus pronunciamentos, sendo sempre destacado esse ponto central: Jesus – o Filho de Deus; Jesus – Deus. João relata como primeiro milagre a transformação da água em vinho, na presença de uma multidão. Aí sua fama já começou a se espalhar. A partir daí, há registro de várias pessoas que creram em Jesus e que foram salvas por Ele[25].
O propósito de João em seu evangelho é exemplificado nos sinais e diálogos de Jesus, comprovando sua divindade e atraindo as pessoas, que criam nele e eram salvas: Nicodemos (cap. 3); a mulher samaritana (cap. 4); o paralítico de betesda (cap. 5). No capítulo 5 verso 16 os judeus passaram a perseguir a Cristo e ele é rejeitado publicamente.  
No capitulo 6 o quarto sinal é realizado: multiplicação dos pães e Cristo sobre as águas. Neste momento é importante lembrar que os sinais apontam para a natureza de Jesus sendo discernida somente através da fé[26]. É nesta seção que se encontra o enfático “Eu sou”, afirmando sua divindade.
            A platéia lhe pede mais um sinal. Ele se nega a fazer e se diz maior que Moisés. Reafirma que é o pão vivo que desceu do céu e então os judeus ficam mais nervosos ainda e lembram suas origens. Daí então, temos a resposta de Jesus que é o texto que estudaremos.
Estrutura do texto

Tradução do texto


João 6:43-47
43  ἀπεκρίθη Ἰησοῦς καὶ εἶπεν αὐτοῖς· μὴ γογγύζετε[27] μετ᾽

 ἀλλήλων.

Respondeu Jesus e disse a eles. Não murrmureis entre vós mesmos.

 44  οὐδεὶς δύναται ἐλθεῖν πρός με ἐὰν μὴ ὁ πατὴρ ὁ πέμψας με ἑλκύσῃ αὐτόν, κἀγὼ ἀναστήσω αὐτὸν ἐν τῇ ἐσχάτῃ ἡμέρᾳ.

Ninguém esta podendo vir para mim se não o Pai que me enviou atrair[28] ele, e eu levantarei ele em o último dia.

 45  ἔστιν γεγραμμένον ἐν τοῖς προφήταις· καὶ ἔσονται πάντες διδακτοὶ θεοῦ· πᾶς ὁ ἀκούσας παρὰ τοῦ πατρὸς καὶ μαθὼν ἔρχεται πρὸς ἐμέ.

Está escrito em os profetas: e serão todos ensinados por Deus. Todo aquele que ouve da parte[29] do Pai e aprende está vindo para mim.  

 46  οὐχ ὅτι τὸν πατέρα ἑώρακέν τις εἰ μὴ ὁ ὢν παρὰ τοῦ θεοῦ, οὗτος ἑώρακεν τὸν πατέρα.

Não que o Pai foi visto por alguém a menos o que é[30] da parte de Deus, este conhece o Pai.

 47  ἀμὴν ἀμὴν λέγω ὑμῖν, ὁ πιστεύων ἔχει ζωὴν αἰώνιον.

Amém[31] amém estou dizendo a vós, aquele que crê está tendo vida eterna.

Delimitação da perícope


A passagem foi delimitada observando o desenvolvimento de uma tensão interna no texto. O que parece é que o texto neste momento em específico usa uma estrutura quiásmica[32]. A narrativa se desenvolve, a tensão cresce e Cristo explica o problema; logo após se desencadeia uma reação contrária a sua resposta e as pessoas começam a abandoná-lo.
A. A multidão segue a Cristo para Cafarnaum (Jo 6.22-24).
            B. Maná o pão do céu dado por Moisés (Jo 6.25-33).
                        C. Jesus o pão da vida e a murmuração dos judeus (Jo 6.34-42).
                                   D. Cristo responde por que eles não crêem (Jo 6 43-47).
                        C’. Jesus o pão da vida e a disputa dos judeus (Jo 6.48-52).
            B’. Jesus alimento melhor que o maná – corpo e sangue (Jo 6.53-59).
A’.  Muitos discipulos o abandonam (Jo. 6.60-66).

Divisões internas do Texto


43. Respondeu Jesus
e disse a eles.
Não murrmureis entre vós mesmos.
44. Ninguém esta podendo vir
para mim
se não o Pai  que me enviou
atrair ele,
e eu levantarei ele
em o último dia.
45. Está escrito em os profetas:
e serão todos ensinados por Deus.
Todo aquele que ouve da parte do Pai
e aprende
está vindo para mim.
46.  Não que o Pai
foi visto por alguém
a menos o que é da parte de Deus,
este conhece o Pai.
47.  Amém Amém
estou dizendo a vós,
aquele que crê
está tendo vida eterna.

Comentários


  1. A razão da resposta de Jesus (43-44).
43. Respondeu Jesus e disse a eles. Não murrmureis entre vós mesmos
44. Ninguém esta podendo vir para mim se não o Pai que me enviou atrair ele, e eu levantarei ele em o último dia.
Quanto à questão dos judeus não foi feita nenhuma pergunta direta a Jesus, por isso, a resposta que eles procuravam não poderia ser encontrada através daquele tipo de crítica (vs.42). Aí Cristo entra na conversa, pois caso contrário eles não chegariam à verdade[33]. Meyer vai dizer que Jesus não entra na conversa deles para solucionar a dificuldade, mas para admoestar que o problema deles mesmos não estava sobre isto[34], ou seja, se ele era ou não o filho de José e Maria.
Os judeus estavam em completa ignorância quanto à verdade mais profunda a respeito da salvação, isto é: que o homem necessita da graça de Deus para crêr em Cristo[35]. Barrett comentando o verso 44 diz que os evangelhos sinóticos são tão enfáticos quanto João dizendo que a salvação à parte da iniciativa de Deus é impossível[36]. O texto mostra que a salvação é realizada por Deus, quando este atrai[37] o indivíduo convencendo-o moralmente do seu pecado e necessidade do Messías, então ele compreende quem é Cristo.
Cristo é o enviado da parte do Pai e por isso, somente ele tem o poder de ressuscitar o homem no último dia. No Novo Testamento, somente no quarto evangelho encontra-se a expressão “último dia” (vs. 39, 40, 44, 54). João coloca uma grande enfase no presente da salvação e do juízo[38]. Aqueles que são atraídos para Cristo e creêm que ele é o enviado de Deus serão ressuscitados para a eternidade[39]. Carso diz que Cristo exerce essa atração como um cortejo irresistível de um apaixonado[40].
É importante lembrar que os judeus acreditavam na ressureissão dos mortos, a ponto de se ter uma crença entre eles de serem enterrados com as vestimentas, sapatos e cajado na mão esperando que o Messias viesse bucá-los[41]. Os judeus tinham a expectativa da ressurreição dos mortos na vinda do Messias[42].
  1. Ouvindo a Deus e indo a Cristo.
45. Está escrito em os profetas: e serão todos ensinados por Deus. Todo aquele que ouve da parte do Pai e aprende está vindo para mim.
46.  Não que o Pai foi visto por alguém a menos  o que é da parte de Deus, este conhece o Pai.
            Após Jesus afirmar que ninguém pode ir até ele se o Pai não o atrair é inserido no texto uma citação do Antigo Testamento.  Para se compreender então esta passem é preciso voltar os olhos para o texto de Isaías 54.13. Aqui provavelmente João está usando o texto da Septuaginta[43].
Em Isaías o assunto tratado é a restauração de Jerusalém. A passagem “serão todos ensinados por Deus” é aplicada tipologicamente: no Novo Testamento, à comunidade messiânica e a aurora do reino de salvação de Deus são o cumprimento tipologico da restauração de Jerusalém após o exílio da Babilônia[44].
Intrepretando a passagem Hendriksen vai dizer que não é colocado de modo algum na mão do homem o poder de aceitar a Jesus como Senhor. A passagem trata de algo maior que um simples progresso intelectual ou influência moral, é uma transformação de toda a personalidade[45]. “Aqueles a quem Deus ilumina sobre identidade de Jesus irá acreditar nele. E que a iluminação vem em primeiro lugar através das Escrituras, como principal instrumento de Deus”[46].
Quanto ao verso que diz “ninguem viu a Deus…” embora pareça desconesço, pois tem algumas características de comentário do evangelista[47], todavia existe uma ligação profunda com o verso anterior[48]. Jesus é o único que viu Deus plenamente (cf. 1:18). Ele é o único mediador desse conhecimento de Deus sem o qual ninguém pode conhecer Deus. Deus ensina as pessoas sobre Ele através de Jesus. Ouvir Jesus, então, torna-se essencial para a aprendizagem de Deus. Deus chama os eleitos a Si mesmo, revelando-se através de Jesus. As Escrituras testemunham que a revelação é Cristo.
Ladd diz que a relação entre o Pai e o Filho está intimamente entrelaçada em toda argumentação do evangelho. Jesus possui conhecimento exclusivo e imediato do Pai, assim este conhecimento está em contraste com a ignorância dos demais homens neste mesmo respeito[49].
  1. Estar em Cristo – certeza de vida eterna.
47. Em verdade em verdade estou dizendo a vós, aquele que crê está tendo vida eterna.
            A palavra ἀμὴν - é derivada da palavra hebraica - אָמֵן – que significa firme, fiel, certo, verdadeiro. Ela é uma particula tanto de afirmação quanto de assentimento, na verdade, verdadeiramente, certamente; que assim seja ou então como, O amém, a testemunha fiel e verdadeira no Apocalipse 3.14[50].
As palavras “amém, amém” são pronunciadas com um senso de autoridade que é derivada da posição que unicamente Cristo ocupa[51]. J. C. Ryle vai dizer que por certo Cristo retomou o fio do discurso interrompido no verso 40. Daqui em diante passou a falar de si abertamente, sem figura retórica, abertamente como objeto da fé[52].
Aqueles que creêm em Cristo no mesmo momento têm vida eterna como posse imediata. O tema de João é a fé em Jesus Cristo. Tudo corrobora para isto, e como dádiva da graça revelada na pessoa de Cristo o prêmio é a vida eterna. Vida eterna aqui retém um caráter escatológico, por que está inserida logo após a expressão último dia, todavia, é possível que vida eterna seja uma experiência presente da vida futura[53].

Mensagem para a época da escrita

Como se pode observar na passagem em análise Cristo conduz o povo através dos milagres à buscá-lo. Todavia, Ele não quer seguidores que o servem visando interesses pessoais, fome ou curas. Como no passado, em especifico no deserto, o povo caminhava por causa de alimento passageiro e se este faltasse o povo começava a murrmurar.
Cristo então diz que eles não compreenderam a mensagem porque semelhante ao deserto Deus não quisera conduzí-los a nova terra, isto é ao conhecimento de Cristo como Messías.
Este conhecimento seria aplicado aos corações daqueles que o Senhor por sua infinta graça falasse ao coração. Como promessa para seu povo restaurar a nação e fazê-los triunfar diante do inimigo, Jesus, o Messías prometido conduziria seu povo à vida eterna. Promessa que somente Ele poderia cumprir porque de fato conhece a Deus face-a-face.
Tal conhecimento era elevado demais para o povo que o buscava para alimentar-se somente e despresado pelos judeus mais eruditos, por isso Cristo, como Senhor da vida, pronuncia que aqueles que esparam nele tem como posse hoje da benção futura, isto é, a vida eterna. Cristo com poder ressucitará seu povo que com Ele reinarão. Compreenderão plenamente que o Messías esperado é a expressão exata de Deus.

Mensagem para todas as épocas.

            A mensagem para todas as épocas é que Jesus é o Messías prometido, mas este conhecimento só pode ser adquirido se o Pai que o enviou quiser revelá-lo. Este conhecimento será aplicado diretamente nos corações de seus seguidores. Estes virão até Ele e se prostrarão em adoração.
            Uma vez conhecendo a Cristo como Senhor e Salvador têm a segurança da certeza da vida eterna, algo que só é aplicado verdadeiramente no coração daqueles que reconheceram Cristo como o enviado de Deus, Jesus como Messías.
            Este partilhar desta convicção trará a certeza da vida eterna e a promessa de uma ressureição vindoura, onde de fato estaremos com nosso Senhor Jesus por toda eternidade juntos no dia do juízo. “Para o crente, o Jesus concede a visão de Deus que ele mesmo tem de maneira direta e constante; e com a visão de Deus vem a vida eterna”[54].
Teologia do Texto
Este texto trabalha algumas doutrinas importantíssimas para a fé cristã. Dentre elas está a doutrina da soberania de Deus na predestinação. Escatologia – “eu o ressucitarei no último dia”. Doutrina da trindade – “serão ensinados por Deus”. Soteriologia – “quem crê em mim tem a vida eterna”.
Sproul falando sobre a doutrina da soberania de Deus na predestinação diz que um dos ensinamentos mais importantes de Jesus sobre este assunto é encontrado no Evangelho de João. “Ninguém poderá vir a mim…” A palavra "ninguém" é completamente inclusiva. Não permite nenhuma exceção além das exceções que Jesus acrescenta. Nenhum ser humano tem a possibilidade de poder vir a Cristo a menos que aconteça alguma coisa que torne possível que ele venha. Essa condição necessária que Jesus declara é que "seja atraído pelo Pai". Jesus está dizendo aqui que a capacidade de vir a Ele é um dom de Deus. O homem não tem capacidade em si mesmo e de si mesmo para vir a Cristo. Deus precisa fazer alguma coisa antes[55].
Escatologia – “eu o ressuscitarei no último dia”. Esta visão escatologica é aplicada nos corações dos crentes: que o Senhor é aquele que tem todo o poder sobre a vida e a morte. Jesus nos assegura que seremos ressuscitados com ele no último dia e isto é o dia da consumação final[56].
Doutrina da trindade – “serão ensinados por Deus”. Cristo mostra sua intimidade com Deus vendo-o face-a-face. Mostrando que Ele é o cumprimento da promessa do Messías. O Pai envia o Filho, o Filho tem sua obra confirmada e aplicada nos corações pelo Espírito Santo. O Espírito Santo nos convenceria do pecado e do juízo, nos mostraria que Cristo é o cumprimento do Antigo Testamento.
Soteriologia – “quem crê em mim tem a vida eterna”. Somente em Cristo se tem a vida eterna. O Pai conduz o homem a esta verdade em Cristo que é o único meio de se alcançar a vida eterna. No evangelho de João ele diz: eu sou o caminho, a verdade e a vida. Niguém vem ao Pai se não por mim. Agora ele esta dizendo que ele é a vida e niguém vai até ele se o Pai não o levar. Ou seja, salvação somente em mim.

Esboço homilético

Título do sermão: A salvação em Cristo.
Tema: A salvação em Cristo é uma escolha de Deus, aplicada pelo Espírito nos dando a certeza de vida eterna.
Doutrina: soteriologia
Necessidade: o crente precisa enteder que a salvação em Cristo é operada em nossos corações porque Deus agiu em misericórdia para conosco.
Imagem: 5 e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, -- pela graça sois salvos, 6 e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; 7 para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. 8 Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9 não de obras, para que ninguém se glorie. (Ef 2:5-9 ARA)
Objetivo: quero dar a certeza e segurança para o crente da sua salvação.
Introdução
                     I.        A Imagem citada acima
                    II.        Idéia central do Livro de João
                   III.        João conduzindo o contexto da passagem até Cristo
                  IV.        Como somos salvos?
                   V.        O texto nos mostra a salvação em Cristo.
                  VI.        Como é isto?
Pontos e sub-pontos.
                     I.        É uma escolha de Deus.
a.    Ninguém pode vir
b.    Se o pai não o atrair.
                    II.        É uma aplicação do Espirito no coração.
a.    Serão ensinados por Deus.
                                                         i.    A promessa do Espírito Santo.
                                                        ii.    Sua obra e atuação.
b.    Ouvem a voz
c.    Dele aprendem
d.    Seguem a Jesus
                   III.        É uma certeza de vida eterna.
a.    Aquele que crê tem a vida eterna.
b.    Eu o ressuscitarei no último dia.
Conclusão
                     I.        Deus enviou a Cristo.
                    II.        Deus nos chamou a Cristo pelo espirito.
                   III.        Deus nos deu a certeza da salvação.
Aplicação
                     I.        Louvemos ao Senhor por nossa salvação
                    II.        Vivamos com afinco sabendo que a Salvação em Cristo nos foi garantida.
                   III.        Por mais tribulação que passemos aqui estaremos seguros em Cristo por que foi Deus quem nos conduziu até Ele.

Conclusão

            Neste trabaho observamos que João mostrou que Deus é soberano para salvar e que ninguém obtem esta salvação se não por meio desta escolha livre.
            Vimos que esta escolha de Deus implica que o Espírito Santo atuará nos coração do indivíduo transformando-o e ensinando-o as verdades acerca de Cristo como Salvador e Senhor. O Espírito faz ouvir a voz de Deus, aprender dele e seguem a Cristo.
            Estar em Cristo assume agora um significa muito especial, pois implica certeza da vida eterna e a promesse de estarmos com Ele no último dia, sendo ressuscitados para sua glória e louvor.
            Por fim, esta passagem nos ensina nossa salvação como um privilégio recebido da parte de Deus. Não buscado e escolhido pelo homem, mas de graça aplicado a nós somente na pessoa de Cristo.


[1] CARSON, D. A., Douglas J. Moo, Leon Morris. Introdução ao Novo Testamento. Vida Nova, São Paulo, 1997, p. 179.
[2] HÖSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Esperança, Curitiba, 1996, p. 52.
[3] CARSON, D. A., Douglas J. Moo, Leon Morris. Introdução ao Novo Testamento. Vida Nova, São Paulo, 1997, pp. 179 – 181.
[4] VIELHAUER, Philipp. História da Literatura Cristã Primitiva. Academia Cristã, Santo André,2005, 473 – 478.
[5] HÖSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Esperança, Curitiba, 1996, pp. 52 – 53.
[6] Grifos meus.
[7] CHAMPLIM, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – vol. 3. Candeia, São Paulo, 1991, p. 526
[8]Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite”. (Isa 55:1 ARA)
[9]Entendei, ó simples, a prudência; e vós, néscios, entendei a sabedoria”. (Pro 8:5 ARA)
[10] CARSON, D. A. O comentário de João. Shedd Publicações, São Paulo, 2007, p. 290 e 281.
[11] JEFFERY, Peter. De piedra em piedra. El Estandarte de la Verdad. Barcelona, 2000, p. 38
[12] ALLEN, Clifton J. Comentário Bíblico Broadman – Vol. 9. JUERP, Rio de Janeiro, 1983, p. 319.
[13] CHAMPLIM, R. N. O Novo Testamento Interpretado – Vol. II. Milenium, São Paulo,1979, p. 354.
[14] HENDRIKSEN, William. Comentário de João. Editora Cultura Cristã, São Paulo, 2004, p. 285
[15] HARRISON, Everett F. Introdution to the New Testament. Eerdmans publishing, Grand Rapids, 2ª Ed. 1974, p. 211
[16] HENDRIKSEN, William. Comentário de João. Editora Cultura Cristã, São Paulo, 2004, p. 284.
[17] Ibid, p. 285.
[18] DARBY, J. N. Estudos sobre a palavra de Deus: Lucas e João. Depósito de literatura Cristã, Lisboa, 1986, p. 184.
[19] MEYER, Heinrich A. W. Hand-book to the Gospel of John. Funk & Wagnalis, New York, 1884, p. 202
[20] VANDERWAAL, Cornelis. Search the Scriptures – 8 John - Romans. Paideia Press, St. Catharines, Ontario, Canada, 1978, p. 28.
[21] CARSON, Beale &. Commentary on the New Testament Use of the Old Testament. Bake Academic, Grand Rapids, 2007, p. 445
[22] BRUCE, F. F. João – introdução e comentário. Mundo Cristão, São Paulo, 1987, p. 140 – 141.
[23] HENDRIKSEN, William. Comentário de João. Editora Cultura Cristã, São Paulo, 2004, p. 304. Mashal é um dito paradoxal, um comentário velado e contundente, frequentemente na forma de enigma (pp. 169-170).
[24] GILL, John. Exposition of the Old & New Testament – Vol. 7: Matthew to John. Paris, The Baptist Standard Bearer, 1989, p. 818.
[25] VIEIRA, Edival José. Exegese de Jo. 1.1-14. Seminário Presbiteriano Conservador, Riacho Grande, 2002, pp. 13-14, “obra não publicada”.
[26] HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. JUERP, Rio de Janeiro, 3ª Ed. 1989, p. 155.
[27] Este verbo esta no presente do imperativo ativo e é usado com negativo para fezer cessar uma ação em andamento cf. CHOWN, Gordon, Júlio P. T. Zabatiero. Chave lingüística do Novo Testamento Grego. Vida Nova, São Paulo, 1985, p. 172. Aqui eu opto por traduzir como a Bíblia de Jerusalém (BJ) e a Almeida Revista e Atualidada (ARA) por murmurar.
[28] Aqui opto por traduzir como a BJ, pois o verbo -  ἕλκω  - tem o sentido de trazer, atrair, isso mental e moralmente. MOULTON, Harold K. Léxico Grego Analítico. Cultura Cristã, São Paulo, 2007, p. 141  
[29] Aqui eu sigo a tradução da ARA por entender que a idéia expressa pelo genitivo transmite sua origem. A Bíblia na Linguagem de Hoje diz “…quem aprendem com ele [Deus]”.
[30] Seguindo Moulton que o verbo no particípio transmite a ideia de existência, ser, existir e estar. Opto por divergir das BJ, ARA e BLH que traduzem: “aquele que vem”. A tradução que opto também pode ser vista em: http://interlinearbible.org/john/6.htm Acesso: 10/05/2010.
[31] Aqui é uma particula asseverativa, todavia sigo a tradução natural da palavra divergindo assim das traduções BJ, ARA e NVI. REGA, Lourenço S., Johannes Bergmann. Noções do Grego Bíblico. Vida Nova, São Paulo, 2004, p. 221
[32] Aqui se pode entender a estrutura com base no contexto proxímo de João 6 todavia, exite a possibilidade de se dividir o texto inteiro do Evangelho, que obedeceria outra ordem de analisar os quiásmos no livro. Quanto a isto conferir: ELLIS, Peter F. Inclusion, Chiasm, and the Division of the Fourth Gospel. St Vladmir’s Theologycal Quarterly,  January 1, 1999, pp. 259-338
[33] BRUCE, F. F. João – introdução e comentário. Mundo Cristão, São Paulo, 1987, p. 141
[34] MEYER, Heinrich A. W. Hand-book to the Gospel of John. Funk & Wagnalis, New York, 1884, p. 210
[35] RYLE, J. C. Juan: los evangelios explicados. CLIE, Barcelona, 1977, 122.
[36] BARRETT, C. K. The Gospel according to St John: an introduction with commentary and nots on the greek text. The Macmillan Company, New York, 1955, p. 245.
[37] MOULTON, Harold K. Léxico Grego Analítico. Cultura Cristã, São Paulo, 2007, p. 141.  ἕλκω - tem o sentido de trazer, atrair, isso mental e moralmente. Ele é usado somente por João.
[38] MORRIS, Leon. Expository Reflections on the Gospel of John. Baker, Grand Rapids, 1990, p. 232
[39] PHILLIPS, John. Exploring the Gospels: John. Loizeaux Brothers, New Jersey, 1989, p. 131
[40] CARSON, D. A. O comentário de João. Shedd Publicações, São Paulo, 2007, p. 294.
[41] CHAMPLIM, R. N. O Novo Testamento Interpretado – Vol. II. Milenium, São Paulo,1979, p. 362.
[42] GILL, John. Exposition of the Old & New Testament – Vol. 7: Matthew to John. Paris, The Baptist Standard Bearer, 1989, p. 818.
[43] BARRETT, C. K. The Gospel according to St John: an introduction with commentary and nots on the greek text. The Macmillan Company, New York, 1955, p. 245.
[44] CARSON, D. A. O comentário de João. Shedd Publicações, São Paulo, 2007, 294.
[45] HENDRIKSEN, Guilhermo. El evangelio segun San Juan: comentario del Nuevo Testamento. Subcomision Literatura Cristiana, Grand Rapids, 1981, p. 254
[46] CONSTABLE, Thomas L. Notes on John. Edition 2010, p. 109. Cf. http://www.soniclight.com/constable/notes/pdf/john.pdf acesso: 15/05/2010.
[47] BRUCE, F. F. João – introdução e comentário. Mundo Cristão, São Paulo, 1987, p. 142
[48] CARSON, D. A. O comentário de João. Shedd Publicações, São Paulo, 2007, 295.
[49] LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Hagnos, São Paulo, 2001, p. 233
[50] MOULTON, Harold K. Léxico Grego Analítico. Cultura Cristã, São Paulo, 2007, p. 20.
[51] GODET, F. Commentary on the Gospel of St. John: with a critical Introduction – vol. II. T. & T. Clark, Edinburgh, 1980, p. 241
[52] RYLE, J. C. Juan: los evangelios explicados. CLIE, Barcelona, 1977, 123.
[53] LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Hagnos, São Paulo, 2001, pp. 239-244
[54] BRUCE, F. F. João – introdução e comentário. Mundo Cristão, São Paulo, 1987.
[55] SPROUL, R. C. Eleitos de Deus. Cultura Cristã, São Paulo, 2ª ed. 2002, p50-53.
[56] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Cultura Cristã, São Paulo, 2ª ed. 2001, p. 648