Marcelo Crispim

terça-feira, janeiro 08, 2008

Missões e João Calvino

1 – MISSÕES EM JOÃO CALVINO[1]

Um tema bastante interessante é o de missões em João Calvino, será que o reformado tem uma visão missionária? Ele sempre está ligado à doutrina da predestinação, a soberania de Deus e outras atividades controvertidas em Genebra. Para uma analise da sua visão missiológica é necessário situar seu tempo, pois de fato, missões como é entendida nos dias de hoje por algumas classes da cristandade, seria fácil concluir que o reformador de Genebra não possuía nenhuma cosmovisão de expansão do reino através da missão da igreja, mas pode-se “encontrar em Calvino elementos missiológicos reveladores de que ele possuía consciência de que o evangelho deveria ser anunciado em outros lugares e para outros povos”[2].
Todavia, para muitos historiadores Calvino e os outros reformadores não possuíam uma mentalidade de missões, como pode fica explicito nesta citação de Nichols ao falar da época da Reforma:
“Somente a Igreja Romana, nesse período, cuidou do trabalho missionário. As igrejas protestantes nada fizeram, que seja digno de referência especial, para levar o Evangelho aos povos pagãos. Uma das razões dessa atitude foi que o protestantismo teve de lutar muito para sobreviver. Mas também deve-se reconhecer que as Igrejas protestantes ainda não tinham reconhecido como seu privilégio e seu dever o trabalho missionário, como fez depois. Os grandes líderes da reforma não deram sinal de realizar aquilo que é um dever de cada cristão: evangelizar os demais povos; e naturalmente, os que continuaram o trabalho deles caíram na mesma falta. O protestantismo só alcançou a sua grande visão missionária no século 18”[3].

Bosch diz que “asseverar que os reformadores não possuíam uma visão missionária é interpretar equivocadamente o impulso básico de sua teologia e ministério”[4]. Embora, Calvino não tenha escrito nada especifico sobre missões afirmar que não possuía uma dimensão missionária da igreja é muito preconceituoso[5]. Para Bosch, a teologia missionária de Calvino é mais explicita que a dos outros reformadores, pois, levou muito a sério a responsabilidade do crente no mundo[6]. Sua concepção teológica do reinado de Cristo transformando a vida espiritual do indivíduo e do meio onde ele vive causou uma profunda influência sobre a teoria e prática missiológica dos calvinistas posteriores[7].

1.1 – A Academia em Genebra como celeiro missionário.

No dia 05 de Junho de 1559 foi fundada a Academia de Genebra e um dos objetivos era treinar pessoas para a obra missionária, como foi observada por Reid: “devidamente treinados, os estudantes retornariam a seus países de origem e divulgariam o evangelho como missionários. Nesse sentido, procurou fazer de Genebra um centro missionário para divulgar a Reforma e seus ensinos por toda a Europa e outros países do mundo”[8]. Mackinnor também constatou o mesmo fato escrevendo da seguinte forma: “o estabelecimento da Academia foi em parte realizada por causa do desejo de suprir e treinar missionários evangélicos”[9]. Nichols diz que “muitíssimos estrangeiros iam à Academia para estudar Teologia e voltavam como ministros protestantes”[10].

1.2 – O conteúdo missionário nas cartas.

Nas cartas de Calvino também se encontram as preocupações missionárias do Refomador, pois ele supria as necessidades de diversos lugares clamando por auxilio pastoral como relatado na Carta 2613 de Richer e Chartier a Calvino por ocasião da viagem até a “França Antártica” em 1555 “...temos a certeza de que não te esqueces de nós. Os teus irmãos que enviaste como ministros do Evangelho G. Chartério, teu em Cristo. Richério, teu em Cristo”[11]. Sulcer diz que “em toda as partes da França, os irmãos estão implorando a nossa assistência”[12]. Barro diz que Calvino sempre procurava um modo para atender as cartas que de todas as partes surgiam pedindo pastores[13].
Calvino mantinha uma lista de correspondência muito vasta, o que o possibilitou influenciar diversas pessoas nos mais variados lugares. “Ele escreveu cartas de encorajamento aos líderes cristãos quanto ao trabalho de expansão do evangelho”[14] na Inglaterra, influenciou significativamente na Holanda, França e Hungria. Um testemunho de Kalman D. Toth sobre a reforma na Hungria é muito revelador sobre o impacto do Reformador:
“nos idos de 1550, quando a Reforma Helvética fez a sua primeira conquista (1551-52) e se estabeleceu por volta de 1556, havia sinais de crescimento da autoridade e reputação de Calvino. Ambrósio Moibanus, um reformador em Breslau, em suas cartas datadas de 1º de setembro de 1550 e de 24 de março de 1552, assegurava a Calvino que o seu trabalho tinha sido recebido com muito entusiasmo na Polônia e na Hungria. Em 26 de outubro de 1557, Gal Huszar, um reformador húngaro, relatou a Heinrich Bullinger sobre a grande popularidade do trabalho de Calvino na Hungria”[15].

Calvino e a Igreja de Genebra também tentaram expandir o reino de Cristo quando foi solicitado pelo vice-almirante Nicolas Durand Villegaignon o envio de pastores à Baia de Guanabara. Jean de Léry ao falar sobre o episódio narra do seguinte modo: “A Igreja de Genebra agradeceu imediatamente a Deus pela extensão do reino de Jesus Cristo a um país tão distante, tão diferente, e entre uma nação inteira sem conhecimento do Deus Verdadeiro”[16]. Outro relato sobre a obra missionária no Brasil é o de Amy Gordon:
“Se a missão ao Brasil não obteve sucesso, pelo menos levantou sérios questionamentos para os calvinistas, e mesmo para Calvino, sobre assuntos que necessitavam ser tratados antes que as igrejas protestantes se envolvessem em missões e desenvolvessem sua vocação missionária. O episódio do Brasil, visto dessa perspectiva, tem uma importância na história missionária protestante que vai além da curta história da colônia em si”[17].

1.3 – O conteúdo missionário nos seus escritos.

Como já foi dito anteriormente Calvino não escreveu nenhum tratado sobre missões, mas, pode-se encontrar sobre o assunto, tanto nas suas cartas quanto nos seus comentários. Todavia, é necessário ter em mente que para Calvino o conceito de missões é proclamar o evangelho e convocar as outras nações para obediência da fé, por intermédio da palavra ministrada, ou seja, as Escrituras.
Calvino ao falar da grande comissão em Mt. 28:19 diz que o “significado da missão dada aos discípulos era a de proclamar o evangelho em toda parte e deveriam trazer todas as nações a obediência da fé, depois, selariam e ratificariam neles a doutrina pela proclamação do evangelho”[18]. A ordem do Senhor para os ministros do Evangelho é ir a toda parte do mundo e proclamar a doutrina da Salvação[19]. Deus na sua providência preserva o mundo e seu desejo é ser adorado por todos os homens, sem exceção[20]. Ao comentar o Salmo 100 prossegue dizendo que o salmista refere ao serviço de agradecimento ao Senhor por seus benefícios, por isso, ele convida a todos os habitantes da terra, sem discriminação, para adorá-lo[21].
No comentário das pastorais na I carta a Timóteo ao falar sobre a intenção do apóstolo Paulo em dizer que Deus quer que todas as pessoas sejam salvas, ele diz: “a intenção do apóstolo, aqui, é simplesmente dizer que nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídas da salvação, (...) sua única preocupação é incluir em seu número príncipes e nações estrangeiros”[22]. Na carta aos Romanos ele diz que a proclamação do evangelho é para que “Deus guiasse todas as nações à obediência da fé”[23].

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[1] A estrutura desta parte do trabalho, onde envolve o pensamento de Calvino sobre missões, segue o escopo adotado por Antonio de Carlos Barro. A abordagem referia se encontra no artigo publicado pela revista Fides Reformata, v. III, n. 1, p. 38-49, 1998.
[2] BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 38, 1998.
[3] NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 11ª ed, 2000, p. 202.
[4] BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2002, p. 299.
[5] BARRO, C. op cit. 1998, p. 40.
[6] BOSCH, D. op cit. 2002, p. 300.
[7] Ibid, p. 312-318.
[8] REID, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 44-45, 1998.
[9] MACKINNON, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 44, 1998.
[10] NICHOLS, R. op cit. p. 176.
[11] SCHALKWIJK, Frans Leonard. O Brasil na Correspondência de Calvino. Fides Reformata. São Paulo. v. IX, n. 1, p. 114-115, 2004.
[12] SULCER, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 43, 1998.
[13] BARRO, C. op cit. p. 43.
[14] BARRP. C. op cit. p. 46.
[15] TOTH, Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 46, 1998.
[16] LÉRY, J. Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 47, 1998.
[17] GORDON, A. Apud. BARRO, Carlos Antônio. A consciência missionária de João Calvino. Fides Reformata. v. III, n. 1, p. 48, 1998.
[18] CALVINO, J. Commentary on the Mathew, Mark, luke – v.3 http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom33.ii.li.html Acesso: 23/03/2007. Minha tradução.
[19] Ibid. Acesso: 23/03/2007. Minha tradução.
[20] CALVINO, J. op cit. 1999. p. 523.
[21] CALVINO, J. Commentary on Psalms – v.4 http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom11.ix.i.html Acesso: 25/03/2007. Minha tradução.
[22] CALVINO, J. op cit. 1998, p. 60.
[23] CALVINO, J. op cit. 1997, p. 524.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Predestinação e João Calvino

1 - BREVE HISTÓRICO DE JOÃO CALVINO

João Calvino nasceu no dia 10 de julho de 1509 em Noyon, nordeste da França. Filho de Gérard Cauvin, advogado dos religiosos e secretário do bispo local. Sua mãe, Jeanne Lefranc, uma mulher piedosa que faleceu quando ele era muito novo, por volta dos 6 anos. Estudou com famílias aristocráticas locais e aos 12 anos[1] recebeu um benefício eclesiástico cuja renda serviu-lhe como bolsa de estudos, iniciando-os no ano de 1523 em Paris[2].
Em Paris foi influenciado pelo humanismo cristão, um movimento reformista do final da Idade Média[3]. Em 1528 devido a uma disputa entre seu pai e os clérigos de Noyon ele é enviado para Universidade de Orleans a fim de estudar Direito[4]. Sobre este assunto o próprio Calvino se expressa assim:
“Quando ainda era bem pequeno, meu pai me destinou aos estudos de teologia. Mais tarde, porém, ao ponderar que a profissão jurídica comumente promovia aqueles que saíam em busca de riquezas, tal prospecto o induziu a subitamente mudar seu propósito. E assim aconteceu de eu ser afastado do estudo de filosofia e encaminhado aos estudos da jurisprudência. A essa atividade me diligenciei a aplicar-me com toda fidelidade, em obediência a meu pai; mas Deus, pela secreta orientação de sua providência, finalmente deu uma direção diferente ao meu curso”[5].

No ano de 1533 converte-se ao protestantismo. Como se deu sua conversão e quem participou diretamente nesta mudança de pressuposto a história ainda não consegue dizer[6]. Aqui mais uma vez se faz necessário passar a palavra ao converso que relata sua transformação da seguinte maneira:
“(...) Inicialmente, visto eu me achar tão obstinadamente devotado às superstições do papado, para que pudesse desvencilhar-me com facilidade de tão profundo abismo de lama, Deus, por um ato súbito de conversão, subjugou e trouxe minha mente a uma disposição suscetível, a qual era mais empedernida em tais matérias do que se poderia esperar de mim naquele primeiro período de minha vida. Tendo assim recebido alguma experiência e conhecimento de um desejo tão intenso de progredir nesse novo caminho que, embora não tivesse abandonado totalmente os outros estudos, me ocupei deles com menos ardor”[7].

Depois de sua conversão Calvino volta a sua cidade natal, Noyon, no ano de 1534 e renuncia aos seus benefícios eclesiásticos para iniciar uma peregrinação por diversos lugares da Europa[8]. “Paris, Poitiers, Orleans, Estrasburgo, Basiléia, Itália – esses são os pontos principais no itinerário de Calvino durante esses dois anos ou mais”[9]. Em março de 1536 publica a primeira edição da Instituição da Religião Cristã. No mesmo ano parti para Estrasburgo, mas devido a manobras militares vê-se forçado a pernoitar em Genebra, onde é abordado por Guilherme Farel e convencido através da imprecação de maldições a ficar na cidade e participar da reforma daquele lugar.
Não demorou muito tempo para Calvino e Farel serem expulsos de Genebra. No ano de 1538 ele vai para Estrasburgo dando seqüência a seu itinerário de origem. Em Estrasburgo pastoreia um pequeno grupo de crentes franceses refugiados e um “acontecimento que lhe trouxe muita felicidade e conforto, seu casamento com Idalette de Bure, viúva de um antigo anabatista”[10].
Genebra no ano de 1541 convida Calvino para retornar a cidade. Depois de muita relutância ele aceita o convite e no dia 13 do mês de setembro é dado seu retorno. Idalette falece no ano de 1548. Seu ministério em Genebra é profícuo, embora, cheio de disputas e sofrimento[11]. E no ano de 1564 falece o Reformador mais ilustre de Genebra e da Reforma Protestante. “João Calvino faleceu com quase 55 anos em 27 de maio de 1564. A seu pedido, foi sepultado discretamente em um local desconhecido, pois não queria que nada, inclusive possíveis homenagens póstumas à sua pessoa, obscurecesse a glória de Deus”[12].


2 – A PREDESTINAÇÃO EM CALVINO

A doutrina da predestinação tem levantado diversas controvérsias em nossos dias e quase sempre atribuídas à engenhosidade de João Calvino em manipular pessoas. Mas é preciso salientar que esta discussão não é nova e muito pelo contrário, como muitos pensam, não foi o Reformador de Genebra o primeiro a ensiná-la, e também em sua teologia está doutrina não ocupava o papel de centralidade. A este respeito Klooster diz: “Calvino não inventou a doutrina da predestinação, nem foi o primeiro a ensiná-la claramente e a afirmação que ela é central na sua teologia não tem o menor fundamento”[13]
A predestinação em Calvino está associada à proclamação do evangelho pelo fato de alguns crerem e outros não na mensagem, “acima desse contraste de atitude entre crente e incrédulos, o grande segredo do conselho de Deus deve, necessariamente, ser considerado. A semente da Palavra de Deus arraiga e frutifica somente naqueles a quem o Senhor, pela sua eleição eterna predestinou para serem filhos e herdeiros do reino celestial”[14], o que torna a predestinação algo que não é um fim em si mesma, mas um meio pelo qual Deus graciosamente revela sua misericórdia em salvar pecadores. O assunto é tratado em meio à discussão sotereológica[15].
Para melhor compreender a predestinação em João Calvino é necessário dividi-lo em partes observando o lugar da discussão nos seus escritos, sua aplicabilidade, sua base de sustentação e por fim, sua definição do termo[16].

2.1 – A predestinação nos escritos de Calvino.

Calvino não trata a predestinação como um tópico central de sua teologia[17]. Na discussão com Pighius escreve: “As Institutas dão pleno e abundante testemunho a respeito do que eu penso, e mesmo que eu quisesse nada poderia acrescentar”[18]. Antes a predestinação e colocada dentro de um contexto soteriológico. O evangelho é pregado em diversos lugares e diferentes respostas são obtidas, como explicar este fato? A predestinação também não é algo fácil de ser explicado, por isso, os fiéis devem ter cuidado ao especularem mais que o contido nas escrituras. Sobre esta matéria as Institutas dizem assim:
“Na diversidade que há no modo de ser pregado o pacto a todos os homens, e que onde se prega não seja igualmente recebido por todos, se mostra um admirável segredo do juízo de Deus; por que não há duvida que esta diversidade serve também ao decreto da eterna eleição de Deus. E se é evidente e manifesto que da vontade de Deus depende em que a uns seja oferecida gratuitamente a salvação, e que a outros seja negada, daí nascem grandes e árduos problemas, que não é possível explicar nem solucionar, se os fiéis não compreendem o que se deve a respeito do ministério da eleição e predestinação. (...) Esta matéria da predestinação é em certa maneira em si mesma obscura, a curiosidade dos homens a faz muito confusa e perigosa; por que o entendimento humano não se pode frear, nem impor limites que lhe detenham para não extraviar-se por caminhos proibidos, e levantar-se no desejo, se possível, de não deixar o segredo de Deus sem resolver e esquadrinhar”[19].

Calvino, em Instrução na fé, ao falar da misericórdia de Deus em salvar ou rejeitar se expressa do seguinte modo:
“(...) a crueza de nossa mente não pode, de fato, suportar tão grande clareza; nem nossa pequenez pode compreender tão grande sabedoria. De fato, todo aquele que tentar erguer-se de tal altura e não reprimir a temeridade de seu espírito, deve experimentar a verdade do provérbio de Salomão (Pv 25.2) de que aquele que investigar a majestade será oprimido pela glória. (...) por outro lado, que não procuremos (como muitos), a fim de certificar a nossa salvação, penetrar o próprio interior do céu e investigar o que Deus decidiu fazer conosco desde a eternidade”[20].

A predestinação não é algo somente especulativo, ela tem sua base nas escrituras e para evitar os extremos à revelação é o limite da discussão, para isso ele diz:
“Permitamos, pois, ao cristão que abra seus ouvidos e seu entendimento a todo raciocínio que as palavras de Deus queria dizer-lhe, desde que o cristão use de temperança e sobriedade, que tão pronto veja que o Senhor fechou sua boca, cesse ele também, e não leve adiante sua curiosidade fazendo novas perguntas. Tal é o limite de sobriedade que temos de guardar: que ao aprender, sigamos a Deus, deixando-lhe falar primeiro e se o Senhor deixar de falar, tampouco nós queiramos saber mais, nem passar adiante”[21]. “(...) Este assunto não é especulação sutil e obscura, como pensam falsamente os que afadigam a mente sem nenhum proveito (...)”[22].

A mente obliterada do homem incrédulo não lhe permite contemplar a doutrina, por isso, fará descaso dela, como de qualquer outra que lhe exija fé e confiança na revelação, como no caso da doutrina da Trindade, da criação do homem e o universo[23].

2.2 – A praticidade da Predestinação.

Berna interpretando Calvino quando fala do conhecimento de Deus nas Institutas diz que “para Calvino o verdadeiro conhecimento de Deus é um conhecimento sobre Deus que é aplicado na piedade ou devoção, isto é, em reverência, fé, amor, adoração, obediência e serviço a Deus”[24] e no mesmo artigo prossegue dizendo que “Calvino não pretendeu a predestinação fosse uma doutrina aterrorizante para crente, mas uma doutrina consoladora”[25]. Quanto a isso, o próprio Calvino diz: “que a obscuridade desta matéria que tanto assombra e espanta, tem não só um grandessíssimo proveito como um fruto suavessíssimo”[26]. Ele prossegue dizendo que a doutrina foi dada para que seu povo seja levado à adoração e não ao desejo de esquadrinhar a mente do Criador[27]. A compreensão da predestinação faz o homem entender a salvação procedente da gratuita misericórdia de Deus, assim não é depreciada a sua glória nem é incutida no indivíduo uma falsa humildade. A doutrina faz a pessoa entender que a despeito de seus esforços a salvação é conseqüência da eterna benevolência de Deus em salvar aquele que ele quer, e não aceitar isso, é causar agravo em Deus e ser um desgraçado que vive em constante temor[28].
A doutrina da predestinação tem seus efeitos também na vida do pregador, pois, este deve ter prudência e amor ao ensinar o seu rebanho caso contrário ele alimentaria somente a negligência e a malícia. A verdadeira compreensão deste ensino produz no indivíduo o desejo de fazer conhecidas as verdades do evangelho, ansiando que todos se salvem, pois não se sabe o número de pessoas pertencentes aos predestinados[29]. A praticidade da doutrina se reveste de força e vigor na oração do cristão, pois ele o anima a invocar por Deus[30]. Calvino concluiu estes ensinos da seguinte forma:
“(...) Em conclusão: nosso dever é usar, enquanto nos for possível, de uma correção saudável e rigorosa, no sentido de cuidarmos; e isto, para com todos, a fim de não se perder e nem perder os outros; mas a Deus lhe convém fazer que nossa correção seja proveitosa àqueles que predestinou”[31].

Para Calvino a doutrina da predestinação nos estimula a viver em santidade, “é uma atitude ímpia dissociar a santidade da vida da graça da eleição”[32], e render graças ao Senhor. “Nenhuma doutrina é mais útil e proveitosa quando utilizada de forma adequada e sóbria, ou seja, como Paulo o faz aqui, ao apresentar ele a consideração da infinita munificência de Deus e estimular-nos a render graças”[33], “Paulo discute a predestinação, a fim de que, arrazoando com algum outro objetivo, não sigamos arriscadamente algum desvio”[34].

2.3 – A dependência das Escrituras na formulação da doutrina.

Como qualquer outra doutrina em Calvino as Escrituras tem que ser a fonte delas. Sua dependência da Palavra de Deus o fazia limitar-se ao texto da sagrada escritura “(...) alterar o significado da Escritura, manipulando-a sem o devido critério, como se ela fosse um gênero de jogo com o qual pudéssemos nos divertir (...)”[35], era algo proibido pelo Reformador. Klooster diz que “como vontade revelada do Deus vivo, a Escritura é a única fonte da teologia de Calvino”[36]. Calvino diz assim: “(...) Portanto, que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais (..)[37].
A predestinação é algo há ser estudado a despeito de todas as problemáticas que são levantas em torno de si, pois é uma doutrina ensinada pelo Espírito Santo para beneficio da mente pia, mas o limite é não ultrapassar a palavra de Deus[38]. Na discussão sobre eleição das nações Calvino diz da seguinte forma: “Rogo e exorto aos leitores que não se antecipem a aderir-se a nenhuma opinião até que ouçam o testemunho das Escrituras (...)”[39], “Antes de tudo, pois, tenhamos diante dos nossos olhos, que não é menos loucura desejar outra maneira de predestinação senão aquela que temos exposta na palavra de Deus”[40]. Klooster diz que Calvino ensinava doutrina da predestinação por que estava convicto que as Escrituras o conclamava a isto[41].

2.4 –Definição da Predestinação em Calvino

Toda doutrina, para entendê-la melhor, é necessário uma definição. A definição dada por Calvino sobre predestinação é a seguinte:
“Chamamos de predestinação ao eterno decreto de Deus, pelo qual determinou o que quer fazer com cada um dos homens. Por que Ele não os cria a todos com a mesma condição, senão que ordena a uns para a vida eterna, e a outros para a condenação perpetua. Portanto, segundo o fim para o qual o homem foi criado, dizemos que está predestinado para a vida ou a morte”[42].

Para o Reformador nenhum homem de bem pode negar a doutrina da predestinação, pois o fato é que Deus tem adotado uns para a salvação e outros destinados à morte eterna[43]. Para ele a Escritura demonstra de forma evidente que Deus designou de uma vez para sempre no seu eterno propósito aqueles que serão salvos e aqueles que Ele quer que se condenem[44]. A pregação da palavra de Deus somente logra êxito no coração daqueles que são predestinados para a vida, todavia, em todos os que são rejeitados serve como cheiro de morte para a morte, como bem define desta forma:
“A semente da Palavra de Deus arraiga e frutifica somente naqueles a quem o Senhor, pela sua eleição eterna, predestinou para serem filhos e herdeiros do reino celestial. Para todos os outros (que, pelo mesmo conselho de Deus, são rejeitados antes da fundação do mundo), a pregação clara e evidente da verdade nada pode ser além de cheiro de morte para morte”[45].
Não se deve, porém, pensar que Deus predestinou tendo em vista aquilo que ele anteviu que o homem faria, doutrina intitulada como a pré-ciência de Deus, pois alguns poderiam entender mal a frase no comentário do livro dos Salmos que diz “que Deus distingue entre os réprobos e os eleitos”[46] , quanto a isto ele diz assim:
“Sobre todos os que querem que a pré-ciência seja a causa da predestinação. Quando atribuímos a Deus pré-ciência queremos dizer que todas as coisas tem estado e estarão sempre diante dos seus olhos, de maneira que em seu conhecimento não há passado nem futuro, senão que todas as coisas lhe estão presentes”[47].

Em Calvino pode se perceber uma dupla predestinação[48], tanto a eleição quanto a reprovação são atributos da Eterna Soberania de Deus[49]. Embora, aplique a vontade soberana de Deus em agir da forma que lhe aprouver, não se pode dizer que Ele é arbitrário em suas decisões, pois não cabe ao homem conhecer a mente do Senhor quanto a estes assuntos, “devemos deixar a razão disso somente com ele porque, certamente com a intenção excelente, ele quis mantê-la encoberta a todos nós”[50]. No comentário de Efésios ao falar da predestinação, ele menciona três causas da salvação: (1) A causa eficiente – é o beneplácito da vontade de Deus; (2) A causa material – é Cristo; (3) A causa final – é o louvor de sua graça[51]. Na doutrina da predestinação Deus revela sua misericórdia e graça em salvar o pecador, bem como sua justiça em reprová-lo[52].

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[1] Quanto à idade em que ele foi enviado a Paris se encontram divergências entre alguns historiados e articulistas, como pode se perceber no artigo de Lyle Bierna, A relevância da teologia de Calvino para o Século 21. Fides Reformata, Vol. VIII, Numero 2, 2003. p 10. “(...) Quando era um menino de 14 anos, mudou-se para Paris a fim de estudar latim e artes (...)”. McGrath diz que se “tornou parte da tradição transmitida pela pesquisa acadêmica que Calvino tenha ido para a Universidade de Paris aos catorze anos, embora se tenha pouca evidência documental não podemos embasar com certeza a idade”. Alister McGrath, A vida de João Calvino. Ed. Cultura Cristã. São Paulo, 2004. p 37-39.
[2] MATOS, Alderi Souza de. Presbiterianos: quem somos e de onde viemos. http://www.thirdmill.org/files/portuguese/13174~11_1_01_10-27-58_AM~Presbiterianos_Quem_e_de_Onde_Viemos.html Acesso: 24/03/2007
[3] BIERNA, Lyle. A relevância da teologia de Calvino para o Século 21. São Paulo, Fides Reformata, v.VIII, n 2, p. 11, 2003.
[4] COSTA, Hermisten Maia Pereira. João Calvino: o humanista subordinado ao Deus da palavra – a propósito do 490 anos do seu nascimento. São Paulo, Fides Reformata, v.IV, n. 2, p. 2, 1999.
[5] CALVINO, João. O livro dos Salmos – v. I. São Paulo, Edições Paracletos, 1999. p. 37-38.
[6] MCGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004. p. 87-91.
[7] CALVINO, J. op cit. 1999. p. 38.
[8] COSTA, H. op cit. p. 3.
[9] WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2003. p. 19.
[10] Ibid, p. 27.
[11] MCGRATH, A. op cit. 2004. p. 127-152.
[12] MATOS, A. op cit.
[13] KLOOSTER, Fred H. A doutrina da predestinação em Calvino. Santa Bárbara D’Oeste. Socep, 1992, p. 11.
[14] CALVINO, João. Instrução na Fé. Goiânia, Editora Logos. 2004. p. 38.
[15] KLOOSTER, F. op cit. p. 12.
[16] Neste tópico a abordadegem usada se identifica com a estrutura do texto de Fred H. Klooster, A doutrina da Presdestinação em Calvino, por causa de sua objetividade. Klooster trabalha da seguinte maneira: 1. O lugar da Predestinação nas Institutas, 2. O significado prático da predestinação, 3. A base bíblica da predestinação e 4. A definição de predestinação.
[17] KLOOSTER, F. op cit. p. 12-13;
[18] CALVINO, J. Eternal predetination. http://www.the-highway.com/Calvin_sectionI.html. Acesso: 18/02/2007. Foi usada a mesma tradução que Klooster faz.
[19] CALVINO, Juan. Instituición de la religión cristiana v. II. Barcelona, Felire, 5ª ed. 1999. p 723-724. Minha tradução. Todas as vezes que for citada as Institutas a tradução é minha.
[20] CALVINO, J. op cit. 2004. p. 38-39.
[21] CALVINO, J. op cit. 1999. p. 726.
[22] CALVINO, J. op cit.
[23] CALVINO, J. op cit. 1999. p 727.
[24] BIERNA, L. op cit. p. 13.
[25] Ibid, p 14
[26] CALVINO, J. op cit. 1994. p 724. “Fruto suavísimo” – entendido também como um fruto doce ou dulcíssimo, gostoso de saborear, algo que verdadeiramente trás prazer para o homem.
[27] Ibid, p. 725.
[28] Ibid, p. 724-725.
[29] Ibid, p. 761.
[30] Ibid, p. 768.
[31] Ibid, p. 762.
[32] CALVINO, João. Efésios. São Paulo, Ed. Paracletos, 1998. p. 26.
[33] Ibid, p. 26.
[34] Ibid, p. 27.
[35] CALVINO, João. Romanos. São Paulo, Ed. Paracleto, 1997. p. 23.
[36] KLOOSTER, Op. Cit. p. 18.
[37] CALVINO. J. op cit. 1997, p. 330
[38] Ibid, p. 330.
[39] CALVINO, J. op cit. 1999, p. 733.
[40] Ibid, p. 726.
[41] KLOOSTER, op cit. p. 22.
[42] CALVINO, J. op cit. 1999, p. 728-729.
[43] Ibid, p. 728.
[44] Ibid, p. 733.
[45] Calvino, J. op. cit. p. 38
[46] Calvino, J. op cit. 1999, p. 45.
[47] Calvino, J. op cit. 1999, p. 728
[48] KLOOSTER, F. op cit. p. 24
[49] MCGRATH, A. op cit. p. 195-197
[50] CALVINO, J. op cit. 2004, p. 39.
[51] CALVINO, J. op cit. 1998, p. 27.
[52] CALVINO, J. op cit. 1997, p. 329-336.

terça-feira, janeiro 01, 2008

Feliz 2008!!!!!

Espero que este ano seja abençoado.
Fiz planos.... lançei desafios.... estou motivado....
Voltei a escrever.....
Sou homem CASADO.....BEM CASADO...!!!!
Beijos para todos.... e até breve....!!!